Te abandonei quando parei de me chatear com seu comportamento agressivo. Te abandonei quando construí minhas próprias barreiras pra  afastar todo homem que tenta de algum modo, entrar na minha vida. Com medo dele ser exatamente igual a você. Te abandonei quando simplesmente deixei de sorrir quando você me abraça e me pede desculpas o tempo todo. 

Eu te perdoo pai. Não somente te perdoo como tento te compreender. Não culpo o senhor pela estupidez e o modo grosseiro com o qual cresceu e foi acostumado. Eu sei que SEU pai te levantava a mão ou gritava com o senhor por qualquer coisa, por mais simples que fosse. Mas isso foi há muito tempo... e hoje, não aceito, não aceitei e muito menos aceitarei isso de alguém, principalmente vindo de um homem. 

Eu sei muito bem que sem você, eu não existiria. Você me alimentou, cuidou de mim e me viu crescer (por mais doloroso que tenha sido para mim). Não desenvolvo uma gota de sentimento de repugna ou desejo o mal para o senhor. Mas eu tenho que te dizer papai, você é abusivo. Você me faz mal. Voce é tóxico. Você me machucou, me trata mal e nao só a mim como as quatro mulheres que vivem na SUA casa (foi assim que você se referiu ao NOSSO lar quando viu que eu tinha pintado meu cabelo... me apertou gritando: EU NÃO ACEITO ISSO NA MINHA CASA. VOU ARRANCAR SEU CABELO). Sua casa? Que engraçado pai, porque se tivéssemos a escolha, o senhor já estaria sozinho na SUA casa há muito tempo... Eu e minhas irmãs te deixaríamos. 

Eu sei pai, eu sei que você acha que talvez um abraço, um pedido de desculpas ou talvez um presente faça minha dor diminuir. E eu também sei que você acha que estou cicatrizada, que nao há nada de errado. Sei que você acha que ficar nervoso às vezes é normal, que nunca ter levado a filha ao médico (mesmo ela já tendo 17 anos) é normal, que me olhar com desdenho e indiferença pra uma obra que eu confeccionei, sem dar uma palavra de motivação é normal. Mas você está muito errado. 

Gritar com a minha mãe até ela chorar pelo resto da noite é um ponto irônico da sua personalidade, quando me lembro de você dizendo que a "ama" e que mesmo com os problemas de vocês, ambos devem o "amor" um ao outro já que "Deus abençoou o matrimônio".... pura merda. 

Ameaçar a mim e as minhas irmãs não me parece uma prova de ternura ou mesmo uma prova de que você se importa. Viajar e sumir por 2 dias sem dar notícias e deixar minha mãe aos prantos não me soa nada paternal. Tentar me proibir de ir à terapia (por ser um gasto à mais) não sabendo das minhas crises de pânico, do meu histórico de abusos e cicatrizes causadas por mim mesma no meu próprio braço; você deveria saber certo? Você é meu pai, eu deveria confiar em você.

Meus sentidos não me enganam. O barulho da cinta invadindo a pele ainda ecoa nas minhas memórias, os jantares escuros ainda me fazem lembrar do meu sofrimento de quando criança: "porque meu pai nao é normal? Porque ele está sempre triste e agressivo? Porque ele se medica tanto? Porque minha mãe sempre o evita?...Tenho pena pai, espero que o senhor obtenha êxito em se resolver consigo mesmo. Espero que se cure antes de deixar mais alguém doente. Ódio? Sinto. E muito. 

Papai, te abandonarei quando conseguir minha independência e morar a QUILÔMETROS longe de você;  te abandonarei quando perder o trauma de me aproximar de algum homem que me queira fazer bem e que se preocupe comigo, alguém que me trate com dignidade e não estilhaçe minha alma, assim como você faz com a minha mãe; te abandonarei quando ouvir a música Moon River e não me desfazer mais em lágrimas; te abandonarei quando pensar na palavra "pai" e perceber que (in)felizmente, nao me vem nada à cabeça. 

Pra quem não vê muito sentido no Dia dos Pais, 

Anônima. 

OBS.: Pai, 

   Espero que amanhã eu possa te perdoar assim como eu o fiz hoje. 

Feliz "Dia dos Pais" :)