Peste Negra
- Rodrigo Pavan
- 13 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
Passamos por um momento delicado na saúde pública. Esse novo vírus surgido na cidade de Wuhan, na Província de Hubei na China, apesar da taxa de mortalidade ser baixa, há sim motivos para tomarmos os cuidados. Mas, a humanidade já passou por outras pandemias e sobreviveu. Uma das mais famosas delas, talvez a de maior destaque, foi a chamada “Peste Negra” na Europa, durante o período da Idade Média.
A peste bubônica que matou 30 a 40% dos europeus nos séculos XIV e XV, se propagou de forma endêmica na Asia Central, e provavelmente, graças as guerras entre mongóis e chineses (sim, chineses) que provocaram condições sanitárias precárias e ajudaram a propagar a epidemia. Um dos primeiros relatos da peste, se dá em 1334, na província chinesa de Hubei (SIM! A mesma do Coronavírus!!) e rapidamente se alastrou às províncias vizinhas.
Após este período, os mongóis sitiam portos mais a ocidente, principalmente no Mar Negro. Cidades aliadas da República de Gênova são as mais atacadas. Assim, os navios genoveses partem e, disseminam a doença pelo mundo. Constantinopla é atingida em 1347, Messina, em setembro de 1347, Gênova e Marselha em novembro do mesmo ano. Pisa em 1348. Veneza em 25 de janeiro de 1348. Em um ano, a peste dominava todo o Mediterrâneo. A disseminação da peste se deu por toda a Europa. As populações não possuíam anticorpos para tal bactéria (Yersinia Pestis) e suas variantes. A população europeia também passava por um momento de grande fome, outras epidemias, uma mudança climática drástica e, claro, guerras.
Além da Europa, o mundo muçulmano também foi atingido pela pandemia. Alexandria, Cairo, o Crescente fértil caíram doentes em 1348. Palestina, Acre, Sidon, Beirute, Triplo em junho do mesmo ano. Damas, capital da Síria, perdia 1200 habitantes por dia. Ao todo, a Síria perdeu 400.000 habitantes. A taxa de mortalidade da peste negra, era mais de 60% nos infectados. Voltando ao continente europeu, a peste rapidamente se espalhou. Na França, como já citado, a primeira cidade foi Marselha e de lá, infectou os moradores da cidade de Avignon (sede do papado e de sua corte entre os anos 1309 à 1378, e após o grande Cisma do Ocidente de 1378 a 1418, onde a Cristandade tinha dois Papas. Um em Roma e outro em Avignon). EM agosto de 1348, Paris é atingida. Em 1349, a Peste passa por Alemanha, Dinamarca, Inglaterra, Irlanda e Escócia.
Esta difusão da doença não foi homogênea. Algumas cidades conseguiram passar ao largo da doença, como foi o caso de Milão, Bruges e Nuremberg, onde foram tomadas medidas drásticas para a contensão.

A peste trouxe inúmeras consequências demográficas, econômicas, sociais e religiosas. A documentação do período são esparsas e, geralmente cobrem um período muito longo, atrapalhando assim, um estudo mais fiel ao ocorrido. Os historiadores estimam que a proporção de 30% a 50% das vítimas europeias equivalem a 25 e 45 milhões de pessoas.
As cidades foram as que mais sofreram com a peste, diferentemente do campo. Cidades como Florença passou por períodos de quarentena. A Importante família dos Médicis foram obrigados a deixar sua pátria e refugiarem-se no campo. No resto do mundo, se somarmos Oriente Médio, China, o mundo muçulmano e a Índia, o número de mortos podem chegar a 75 e 200 milhões por todo o século XIV.
No campo econômico, a Europa já passava por um período de recessão desde o início do século XIV. Grandes períodos de fome se contrapondo a uma superpopulação e que preparou o terreno para a epidemia. (Entre 1315-1317, a Europa passou pela pior fome já atestada até então). Esta recessão se transforma em uma crise brutal e profunda com. Peste negra e também com as guerras. A mão de obra se torna mais escassa e por isso, mais cara, particularmente na agricultura. Diversas cidades foram abandonadas. Terras menos férteis foram abandonadas, formando em seus lugares, novas florestas. Com isso, áreas para o plantio foram perdidas. Na França, neste período, estima-se uma queda ente 30% a 50% na produção de cereais. Para conseguir mão de obra, os grandes proprietários de terras foram forçados a fazer concessões ao trabalhadores e, com isso, a servidão começou a desaparecer. As receitas das terras caíram com a baixa produção e o aumento dos salários. O preço de moradias parisienses caíram 1/4 do valor real. Cidades inteiras tornaram-se desertas, a medicina da época não foi capaz de conhecer a causa da epidemia e nem de freia-la. Porém, esta “desertificação" urbana foi compensada pelo êxodo rural das áreas mais próximas das cidades. Porém, o baque da peste foi grande. A França só voltará a ter uma densidade demográfica alta na segunda metade do século XVII, quando atinge os mesmos números do final do século XIII. Durante a peste, ela perdeu 41% de seus cidadãos. (10 a 17 milhões de pessoas). Na Itália, é comumente afirmado que metade de sua população pereceu com a peste, mesmo com Milão sendo preservada. Florença, 80% da população morreu, 75% em Veneza. Em 1348, a peste provocou um sentimento anti-semita na Europa. Judeus foram massacrados por serem considerados os culpados pela doença. O rei da França, Filipe VI, acusou os judeus de envenenar os poços da cidade de Orleans. Seis judeus foram presos e executados. O Papa Clemente VI - de Avignon - proclama uma bula em favor dos judeus, mostrando que a peste não faz distinção entre cristão e judeus, mas mesmo assim, os "pogroms" continuam por toda a Europa. Seis mil judeus são executados em Mayence, atual Mainz na Alemanha.
Com a peste instalada, medidas sociais tiveram que ser tomadas para evitar a propagação da doença. Em relação aos mortos, suas roupas e casas são queimadas, cemitérios - fora das cidades - foram criados (os enterros eram feitos nas Igrejas). O enterro deveria ocorrer em até 6h depois do óbito. Mas com o medo, os “coveiros" da época tornaram-se raros e, mais uma vez, houve um aumento do preço do salário. Como último recurso, prisioneiros, escravos e condenados à morte faziam o serviço. Mas quando o espaço tornou-se insuficiente para tantos cadáveres, estes passaram a ser jogados em rios, lagos e até no oceano, como foi o caso de Veneza. Poucas fontes descrevem a cremação dos corpos. Quando eram queimados, fazia-se no campo, para evitar o mau cheiro nas cidades. No início do século XIV, as regras para uma higiene pública são inexistentes, com raras exceções como Florença, e que mesmo assim, sofreu com a peste. Cidades italianas proibiram a entrada de viajantes. Milão, Pistoia, Veneza, Parma proibiam pessoas que vinham de lugares infectados. As primeiras cidades que decretaram isolamento radical foram: Reggio (1347), Milão (1402) e Veneza (1403), assim como os primeiros isolamentos preventivos - as quarentenas - Ragusa (1377). Todos que chegavam passavam 30 dias numa ilha em frente a cidade costeira da Sicília. Veneza, no mesmo ano, aplica 40 dias. Marselha segue a mesma ideia. Pouco a pouco as “regras da peste” foram difundidas por toda a Europa.
As consequências da peste na Europa foram devastadoras e esta foi somente a primeira onda. A Segunda Pandemia de peste durou até o início do século XIX. (Rodrigo Pavan)
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